terça-feira, 22 de maio de 2007

Meu país é o mundo inteiro

Clássico de Virginia Woolf é uma das maiores expressões do feminismo na literatura

Se tivemos um século XIX em que a mulher estava consagrada à função de reprodutora, o século seguinte é considerado o triunfo do sexo feminino. Uma época de revolta das mulheres, contra a dominação masculina, contra a idéia arraigada de que as mulheres são anjos a serviço das necessidades e do conforto dos homens. Tempo que deu, enfim, nascimento a mulheres escritoras, romancistas, poetas, críticas de arte e pesquisadoras. Com este pano de fundo que se insere a escritora Virginia Woolf, uma das mais importantes e sensíveis precurssoras do feminismo.

“Como mulher, não tenho país. Meu país, como mulher, é o mundo inteiro”, disse certa vez a escritora inglesa, que imprimiu sua marca de luta feminista de diversas formas no mundo da literatura. Desde publicações de resenhas em jornais até seus grandes romances, Virginia Woolf sempre cultivou um espaço para expressar sua discordância com o mundo patriarcal perpetuado ao longo das gerações. Declaradamente defensora de que a mulher tem o direito à independência financeira, à educação e à contracepção, Virginia não poupou esforços e muito menos palavras. Nascida ao final do século XIX e tendo o auge de sua vida e da sua produção literária no início do século XX, viveu o fim de uma época em que as mulheres escritoras ainda procuravam esconder-se sob um nome masculino, já que era o homem quem detinha e autorizava o acesso à escrita. Tendo as palavras como aliadas, a escrita foi sua forma de lutar contra uma vivência de submissão e conquistar um espaço para a fecundação intelectual e literária.

Mrs.
Dalloway, uma de suas obras mais importantes, que inclusive serviu de inspiração para o filme As Horas, foi publicado em 1920, um ano após as mulheres conquistarem o direito ao voto na Inglaterra. Fortemente influenciada por essas efervescências históricas, Virginia criou um romance em que as concepções e comportamentos de uma época são retratados na história de um dia na vida de uma mulher, Clarissa Dalloway, uma mulher habitada por angústias.

As personagens são traçadas de maneira definida, onde o homem e a mulher dividem o mesmo espaço, cada um exercendo o papel que a sociedade lhes concedeu. Mas é a mulher quem se destaca, pois parece que apenas ela tem a capacidade de sentir a vida, é ela quem tem emoções, pensamentos e questionamentos, como se houvesse espaço para ela no mundo. E as diversas personagens femininas que vão aparecendo ao longo da obra mostram, cada uma, uma faceta da condição da mulher, ora em comportamentos de submissão e desvalorização, ora em momentos de afirmação da autonomia e independência do feminino.

Enquanto Rezia é a personificação da submissão feminina – quando devota sua vida inteira e seus desejos ao marido Septimus, sentindo a necessidade de ter filhos não por querê-los, mas por uma exigência social – Sally Senton e Lady Bruton são o retrato da potencialidade feminina. A primeira, que desperta um sentimento estranho a Clarissa Dalloway, é apresentada como uma mulher audaciosa e temerosa: “absurda… completamente absurda (…), como se pudesse dizer o que quer que fosse, fazer não importa o quê”. Já Lady Bruton surge como uma exceção à condição feminina, mas ainda presa às amarras e poderes masculinos. Envolvida com política (exercício antes negado ao sexo feminino), tem uma visão crítica das mulheres, ela é “forte e marcial, próspera, bem-nascida, de impulsos diretos, de sentimentos positivos e escassa introspecção”, porém seu aparente desprendimento da submissão da mulher se revela superficial, quando por trás dela há a figura do homem, quando ela fala “como um homem” ou quando precisa da ajuda de um para poder redigir uma carta, já que questiona: “poderia o seu próprio pensamento revestir-se de tanta eloqüência?”.

A visão masculina das mulheres é encarnada em outros personagens, principalmente no solitário Peter Walsh, que, sofrendo de um amor não correspondido, descreve as mulheres como insensíveis, como seres diferentes dele e que não sabem o que é a paixão.

Mrs.
Dalloway é um eco de muitas das controvérsias que habitaram o meio intelectual londrino durante os anos 20, entre eles a questão do papel da mulher. A crítica social de classes, a burguesia e os efeitos da guerra também merecem o devido destaque, assim como a escrita singular de Virginia Woolf, que trouxe para a literatura uma inovadora forma de escrever: o fluxo de consciência. Porém, sua marca está, não só em Mrs. Dalloway como em toda sua obra, na ênfase ao feminino, na mulher, em sua condição e em suas lutas. Um verdadeiro contrapeso ao discurso masculino.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

O Papa é pop, mas não papa ninguém

Que o Papa é pop todo mundo já sabe. Mas não falo daquele nazistinha que esteve por aqui dias atrás, mais conhecido como Bento XVI. Esse daí já cansou todo mundo. Falo sobre um também pop e muito íntimo das mulheres: o papanicolau.

Também conhecido entre os médicos por Colpocitologia oncótica, o papanicolau é um exame preventivo do câncer de colo de útero, que toda mulher deve fazer ao menos uma vez por ano.

Hoje, em todo o mundo, mais de 650 mulheres morrem por dia em consequência desse tipo de câncer. E as vítimas não são apenas as de mais idade, meninas jovens também são atingidas. Ele é o terceiro fator cancerígeno mais comum entre as mulheres, sendo superado somente pelo câncer de pele e pelo câncer de mama.

Normalmente, após serem realizados 3 exames anuais, a paciente com baixo risco fica livre para realizá-lo com menos freqüência. Porém, aquelas com pelo menos um fator que possa desenvolver o câncer do colo de útero, devem continuar se submetendo ao exame anualmente.

As mulheres não gostam de realizar o papanicolau, às vezes por vergonha, às vezes por ser extremamente incômodo, mas é essencial que seja feito, pois ele pode detectar outras doenças uterinas antes mesmo de um câncer se desenvolver.

O exame completo inclui primeiramente a palpação das mamas (para detectar o câncer de mama) e depois é introduzido na vagina um espéculo que possibilita a visualização do colo do útero. Em seguida, com uma espátula laminosa, o médico recolhe o material da parede uterina, que será enviado para um laboratório e depois analisado. Ele deve ser realizado pelo menos uma semana antes da menstruação, e devem ser evitadas duchas vaginais, colocação de cremes e relações sexuais três dias antes.

Podem ser causas de câncer: início precoce da atividade sexual, número elevado de parceiros sexuais, ter tido vários filhos, tabagismo, antecedentes de doença sexualmente transmissível e falta de higiene pessoal. Mas o principal causador disso tudo, em 90% dos casos, é um vírus conhecido como HPV (Papiloma Humano), uma DST que pode ser evitada, principalmente, com o uso de preservativos. Já existe, inclusive, uma vacina contra alguns tipos desse vírus, mas não custa prevenir.

Depois de toda essa chatice, há uma notícia boa: o papanicolau é oferecido gratuitamente pelo sistema público de saúde em qualquer unidade básica do SUS (Sistema Único de Saúde) e também em todas as faculdades de Medicina do Brasil.

Mulherada, ele tem nome de Papa, mas ao contrário desses sujeitos que vivem no Vaticano, ele pode salvar a vida de todas nós.

Instituto Nacional de Câncer: www.inca.gov.br

terça-feira, 15 de maio de 2007

Por uma alimentação politicamente correta

Mais do que um comportamento saudável, o vegetarianismo pode ser uma prática política

Antes tido como uma prática exótica, o vegetarianismo tem sido cada vez mais assumido como uma dieta essencial na vida das pessoas, seja de grandes centros urbanos, seja do interior ou de pequenas comunidades. Diversas são as publicações que tratam da alimentação vegetariana, assim como a quantidade de restaurantes especializados, que ao poucos vão se multiplicando, o que sugere o aumento contínuo da quantidade de adeptos.

A opção por uma alimentação livre de carnes (de aves, peixes, suínos e bovinos), ou de qualquer derivado animal (a alimentação vegana), pode ter inúmeras causas. Cada pessoa tem a sua em específico, que pode ser por motivos de saúde, religião, por respeito à vida animal e até mesmo por motivos mercadológicos, ou seja, por combate à indústria da carne.

De certa forma, todas essas causas estão interligadas, mas talvez a que seja menos levada em consideração é aquela que vai contra os interesses empresariais e contra a geração de lucros: a indústria da carne. É interessante, por exemplo, como o número de revistas especializadas em receitas vegetarianas é grande, porém, sempre enfocando a saúde, ou seja, aquilo que faz bem para o corpo do ser humano. Para se ter uma idéia, em uma das melhores livrarias brasileiras, são encontradas mais de 100 publicações com o tema “vegetariano”. E guias na internet com endereços de restaurantes vegetarianos são infinitos. Mas as questões ambientais, empresariais e de respeito à vida animal, são freqüentemente deixadas de lado. E estes deveriam ser, talvez, os maiores motivos para se levar o vegetarianismo a sério.

Assim como acontecia com os escravos, os animais são hoje tratados como simples mercadorias. Na condição de coisas, eles devem ser tão rentáveis quanto possível. Para se ter uma idéia, são mortos todos os anos mais de 8 bilhões de animais (16 mil por minuto), só nos Estados Unidos – o maior consumidor. O Brasil é um dos principais países exportadores de carne, onde, segundo Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína - ABIPECS, existem cerca de 200 frigoríficos, responsáveis pelo abate de 36 milhões de suínos só em 2005. No mesmo ano, foram exportadas 9,2 milhões de toneladas de frango e 8,8 milhões de toneladas de carne bovina. Uma verdadeira indústria da morte altamente lucrativa. Segundo o Manifesto pela Libertação dos Animais, desenvolvido pelo professor de direito da Universidade de Rutgers (Nova Jersey), Gary Francione, “O 'sofrimento’ dos proprietários, por não poder usufruir a 'propriedade’ a seu bel-prazer conta mais do que a dor do animal”.

Para que essas empresas tenham esse alto desempenho, chegando a números elevadíssimos em sua produção, logicamente a estrutura delas é proporcional ao que produzem. Assim como o impacto que causam no mundo, desde poluição e desmatamento até o consumo elevado de água. Em números: os animais criados para corte produzem 130 vezes mais excrementos do que toda a população humana e um abatedouro de suínos típico gera excrementos equivalentes a uma cidade com 12.000 habitantes. Do total do solo cultivável, mais de 80% são utilizados para a criação de animais de corte; para alimentar um carnívoro, é necessário um terreno 20 vezes maior do que para alimentar um vegetariano. Sem contar o problema da água, já que a criação desses animais consome mais da metade de toda água utilizada no país. São necessários 9.463 litros para se produzir meio quilo de carne, sendo que apenas 95 litros produzem a mesma quantidade de trigo.

Os animais criados para a comercialização são alimentados com grande quantidade de vegetais e outros tipos de alimento, como a soja, que exigem grande área para sua plantação, o que é hoje responsável pelos maiores desmatamentos que temos no país. Ao contrário do que pensa a maioria das pessoas, a maior parte da soja plantada hoje no Brasil não se destina à alimentação humana, mas sim à alimentação de animais como bovinos e suínos, o que acaba por serem os próprios animais a causa de toda essa devastação. Certamente, se o consumo de carne pelos humanos não fosse tão elevado, a poluição do ar, da água e a destruição do ecossistema e dos recursos naturais não seria tão intensa.

E, além do problema do meio ambiente, essa estrutura montada para manter toda a indústria da carne acaba, mesmo que indiretamente, sustentando, ou se eximindo de pelo menos ajudar a resolver a questão da fome no mundo. Isso porque um terço da comida do mundo é utilizada para alimentar gado e outros seres para o abate. Esses animais consomem uma quantidade imensa de vegetais que poderiam nos servir diretamente de alimento. Se consumíssemos os grãos que cultivamos em vez de dá-los aos animais que futuramente também se tornarão comida, talvez estivesse resolvida, pelo menos em parte, a escassez de alimento no mundo. Para se ter uma idéia, 100 acres de terra produzem carne para 20 pessoas, mas trigo suficiente para alimentar 240. Seria praticamente impossível o planeta fornecer alimento para toda a população humana, se em todos os países as pessoas tivessem uma alimentação semelhante à da Europa e dos EUA – repleta de produtos de origem animal.

Para se manter vivo, o ser humano precisa se alimentar e, sendo esta sua atividade vital, a comida é facilmente passível de exploração pelos interesses do capital comercial mundial, como as grandes companhias multinacionais agrícolas, necessárias para manter esse meganegócio chamado agro-business. Assim, a indústria da carne, uma das questões discutidas dentro do vegetarianismo, praticamente não é levada a público, já que, se colocada em pauta, pode ferir os interesses comerciais dessas empresas multinacionais e, conseqüentemente, do governo. Muito mais do que um tema ignorado, o vegetarianismo não interessa como uma política governamental, ou seja, não tem e possivelmente não terá nenhum tipo de incentivo enquanto não tiver a potencialidade de gerar os altos lucros que a indústria da carne é capaz. Afinal, criar atritos com os maiores empresários brasileiros, ou de qualquer outro país, não faz parte dos planos de nenhum governo, que em qualquer lugar se preocupa somente com o dinheiro e o lucro.