quinta-feira, 28 de junho de 2007

Para sapatear

Garotas e garotos do mundo,

Para quem não sabe, rola muito evento por aí nos becos undergrounds da cidade e que, para variar, a grande mídia nunca noticia. Pode conferir: é show, festival, mostras e debates que estão sempre acontecendo, tentando se manter de uma forma ou de outra, contando sempre com o apoio de um pessoal fiel que sempre marca presença. Longe de casas de shows espetaculares e bonitos e limpinhos espaços de artes, a “cena alternativa” (não sou muito fã dessa expressão) tem dado muitos e bons frutos.

Todo esse blá blá blá é para convidá-los para o Sapa Fest!, um festival organizado por riot grrrls (minha porca definição de uma linha: “meninas punks e feministas”), que irá reunir cinco bandas de garotas em uma noite só – bandas muito boas, politicamente engajadas e bem colocadas, diga-se de passagem. São elas: Dominatrix (a maior representante brasileira do movimento riot grrrl), dividindo o mesmo repertório com Santa Claus e mais os shows de Bonsai Kittens, Anticorpos e SA44. Enquanto uma banda sai e a outra entra, as Djs Sapas Dragas serão as responsáveis por não deixar a música parar. Mas, apesar do festival ter o público feminino em peso, garotos e homens, irmãos, namorados, primos, pais e avôs também serão bem-vindos, afinal, a mulherada não quer jogar os homens para escanteio, mas tentar fazê-los entender que também temos nosso espaço e que nossa luta é conjunta.



Sapa Fest!
Quando: 8 de julho, às 19h – domingo
Quanto: R$10,00 (antecipados) e R$12,00 (na porta)
Onde: Hangar 110 – Rua Rodolfo Miranda, 110 – Bom Retiro (travessa da Tiradentes)

Conheça as bandas:

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Senhorita boa de briga

Professora de boxe tailandês dá o exemplo de atitude e determinação em um espaço onde as mulheres ainda precisam se auto-afirmar

Andressa, ao meio, com suas alunas do Lady's Thai

Por mais que hoje pareça que chegamos ao ápice do nosso desenvolvimento, vivemos em um mundo onde as mulheres ainda são estereotipadas como símbolos da fragilidade e da sensibilidade e onde o masculino ainda impera no que diz respeito, também, à força. Andressa Saboya Prado, 22 anos, é uma dessas figuras que vêm para quebrar esses padrões machistas, difíceis de serem diluídos.

Natural da cidade de Santos, Andressa é professora de uma das artes marciais vistas como das mais violentas no ocidente: o Muay Thai. Conhecida como a “ciência dos oito membros” - por trabalhar com punhos, cotovelos, joelhos e pés – essa luta tem mais de dois mil anos de história. Assim como o futebol é nosso esporte nacional, o Muay Thai, também conhecido como Boxe Tailandês, é o esporte nacional da Tailândia. Conta-se que essa prática foi desenvolvida por camponeses e agricultores para defender a terra e o povo das ameaças de invasões constantes e que, inclusive, questões de política nacional foram decididas em lutas. Diferentemente do que poderia se imaginar, o treinamento sempre foi dado a todos: pobres, ricos, jovens, velhos, soldados e reis. Menos às mulheres. Antigamente era-lhes proibido chegar perto de um ringue, pois, sendo ele um país budista, havia um mito de que a presença delas era uma afronta às forças espirituais que protegiam o palco das disputas. Elas trariam azar aos lutadores e também aos espectadores das lutas.

Depois de muitos anos e avanços, hoje o Muay Thai não é mais restrito aos homens, mas o preconceito ainda reside de algumas formas. A luta feminina é muito nova e hoje, na Tailândia, as mulheres têm o próprio campo de treinamento, onde não se misturam com os homens. Aqui no Brasil, essa mistura existe somente em treinos, não em competições, mas ainda há a visão de que a luta é violenta demais para ser praticada por mulheres. Andressa, que já treinou vôlei, basket, handball e futsal, começou a lutar com 14 anos e diz que quando pisou pela primeira vez na academia para treinar, viu apenas um monte de homens sem camisa, suados, correndo para o aquecimento. “Não existia mulher treinando”, completa. O preconceito que sofreu foi no sentido de subestimarem sua força antes mesmo de senti-la ou de vê-la treinando. Isso a incentivou para que ela continuasse e se tornasse graduada em Boxe Tailandês.

Apaixonada pelo que faz, Andressa lutou muito ao lado de homens, ajudou bastante em treinos e, segundo ela, já ensinou “muito marmanjo por aí”. Então, resolveu montar uma equipe de treinamento para mulheres, o Lady’s Thai. A motivação foi a idéia de poder ensinar outras garotas a fazer a mesma coisa que ela, mas aprendendo com uma mulher, “algo que eu não tive”, explica. No início, a dificuldade era conquistar a confiança de meninas, que hoje são suas alunas, a acreditarem que ela estava ali pra fazer o que gostava e que realmente queria o progresso delas. Com o tempo essa confiança foi conquistada, e hoje Andressa dá aulas tanto em Santos quanto em São Paulo. A procura pelas aulas varia, tendo crianças e mulheres de mais idade com interesse pelo Muay Thai, mas a predominância é de jovens estudantes que encontraram um esporte onde podem ter seu espaço.

A luta para as mulheres não se diferencia praticamente em nada da que é ensinada aos homens. A única diferença se dá na utilização da aparelhagem: apenas na hora do treino com mais contato as garotas colocam um peitoral de proteção. Andressa gostaria de treiná-las para competições, mas é preciso insistir muito nisso, já que o esporte é bem cansativo e exige muita dedicação. “Mas já tive aluna que entrou dizendo que queria que eu a treinasse para subir no ringue”, afirma.

Depois de muitos anos dedicados ao seu aperfeiçoamento pessoal e ao ensino da luta, Andressa diz que hoje as pessoas a respeitam bastante, tanto pela graduação que tem, que não pode ser facilmente conquistada, e por ela realmente ter seu espaço para mostrar o que sabe e ensinar o que pode. Para ela, o crescimento na procura de mulheres pelo treinamento, assim como o respeito que adquiriu no meio, são o reflexo de que as mulheres estão cada vez mais se impondo na sociedade e quebrando tabus. “Estão cada vez mais corajosas”, conclui.

Hoje, o Muay Thai é uma das artes marciais mais usadas em termos de treinamento de segurança e autodefesa e, além de trazer um benefício mental e físico completo, “o poder de autocontrole sobre seu corpo, o crescimento e perceber que, cada vez mais a pessoa fica externa e internamente mais forte” é o que mais fascina a jovem professora. Que dá seu recado final: “Que haja sempre humildade, respeito pela arte marcial e pelo seu professor, não apenas levar como um treino comum e, sim, como um acréscimo interior, ajudando a ser a mulher que deseja”.

Curiosidades:
* Na origem, Muay = arte e Thai = livre ou pertencente à Tailândia.
* A luta chegou ao Brasil por volta dos anos 70, mas somente nas últimas décadas passou a ser mais popular.
* As faixas de graduação são chamadas Kruang e vão do branco (iniciante) ao preto (professor)
* As mulheres devem entrar no ringue pelo meio ou pelas cordas de baixo e não pelas cordas de cima, assim como fazem os homens.
* Na Tailândia, as lutadoras ainda não ganham as mesmas bolsas (em dinheiro) que os homens. Assim, a maioria continua trabalhando em outras atividades ou ainda tendo que conciliar as atividades domésticas com os treinos e lutas.

Lady’s Thai
Mazo Academia
Av. Pedro Lessa, 930 – Santos - SP
Academia Arena Fight Gold Team
Rua Augusta, 775, São Paulo - SP
Comunidade no Orkut:
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=9450868

segunda-feira, 4 de junho de 2007

É possível mudar o mundo sem tomar o poder

Evento reúne representantes de movimentos sociais para discutir a mídia

Realizada entre os dias 28 de maio e 1° de junho, a Semana de Jornalismo da PUC-SP, evento anual do curso de Jornalismo da Universidade, reuniu professores, alunos e diversos representantes de agências de comunicação, ONG’s e outras entidades durante uma semana, ao longo de todo o dia, para discutir o tema “O Compromisso do Jornalismo na Nova Realidade da América Latina”.

Na quarta-feira, 30 de maio, no período da manhã, o debate “Os meios de comunicação e os movimentos sociais na América Latina” deu um bom panorama de como se comporta, hoje, a grande mídia e de como ela se coloca frente aos movimentos sociais.

Com a mediação do professor Sílvio Mieli, a mesa contou com a presença de João Batista de Oliveira, membro da nacional executiva do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Alejandro Buenrostro, integrante do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e Lúcio Flávio de Almeida, professor da PUC-SP. Todos se posicionaram de maneira semelhante quanto ao papel desempenhado pela imprensa, mas com enfoques diferentes: cada um tratando da visão do movimento que estavam representando.

João Batista de Oliveira, como representante do MST, deu início ao debate já com um discurso acalorado e revolucionário. Segundo ele, a grande mídia trata todas as ações do movimento como “invasão”, palavra de cunho ideológico, quando, na verdade, se trata de “ocupação”. Mais de 50% das terras cultiváveis do país estão nas mãos de menos de 1% da população, ou seja, o povo está sendo destituído do seu direito à terra. “nós sabemos quem são os verdadeiros invasores”, afirmou Batista.

O trabalhador do campo sofre todo o tipo de violência, seja moral ou social, e a mídia não cumpre com a sua responsabilidade de divulgar essas dificuldades, como o trabalho escravo ou mortes por péssimas condições de trabalho, principalmente por estafa, mas destina um grande espaço àquilo que é ligado ao capital internacional e às empresas multinacionais. Como, por exemplo, a questão do etanol, agora nas principais pautas da mídia. “O Brasil está sendo vendido e isso a imprensa não noticia”, disse Batista, afirmando em seguida que isso acontece devido ao fato de que as grandes empresas de comunicação se posicionam nitidamente contra os movimentos sociais e, assim, cumprem o papel de descaracterizar e desmoralizar esses movimentos, “tentando aniquilá-los”.

Para ele, as ocupações que o MST realiza, são uma forma de comunicação com a sociedade, pois é nela que esses movimentos se legitimam, não na mídia. Segundo o militante, não se pode contar com o apoio da imprensa, tanto o MST quanto qualquer organização com posição anticapitalista, já que os grandes meios de comunicação exercem “um diálogo ideológico de criminalização dos movimentos sociais”. Sobre a concentração dessas agências noticiosas nas mãos de poucas famílias, fato sintomático do Brasil, Batista afirmou que se trata da expressão da concentração de riquezas no mundo e que essa imprensa impõe a “ditadura da realidade”, ela nos faz “engolir uma realidade que não existe”. E concluiu: “Não esperamos o elogio da mídia, confiamos na nossa capacidade de transformar a sociedade”.

Para dar mais peso ao debate, na seqüência Alejandro Buenrostro, do EZLN, antes mesmo de atacar a imprensa, fez um panorama da situação do México e de como a mídia alternativa e também a ligada aos zapatistas tiveram um papel fundamental na construção política do país. Segundo ele, o México possui uma imprensa “de engano e de simulação”, onde a população não tem voz e “a verdadeira notícia se dá por meio da mídia alternativa”. Os zapatistas, um movimento de insubordinação social indígena de origem maia, para conseguir o apoio da massa e sua legitimidade na sociedade, contou com a ajuda de cartas, comunicados e, principalmente, com a internet e jornais alternativos desenvolvidos pela própria população, como o La Jornada e a revista O Processo. Foi por meio deles que os zapatistas conseguiram tornar visível o movimento de Chiapas, reunir os rebeldes e incitar a população a tomar as armas, ou seja, “criou uma tomada de consciência”.

A preocupação de Alejandro não é em destruir a mídia imperialista, mas sim dar espaço e investir na imprensa alternativa, exercendo uma comunicação ética, verdadeira e coerente. “Vamos dialogar aqui embaixo, onde está o povo! Vamos democratizar embaixo e à esquerda, longe do capital!”, bradou o militante, concluindo com sua frase mais revolucionária da manhã: “é possível mudar o mundo sem tomar o poder”.

Finalizando as falas, o professor Lúcio Flávio, que se desculpou por não ter algo empírico a contar, elaborou um discurso um pouco mais teórico e bastante carregado de conceitos marxistas. “Os movimentos sociais são expressões da luta de classes”, iniciou. E emendou: “nunca teve tanto capitalismo no mundo e com ele se expande o processo de proletarização que se planetariza”. A partir disso, desenvolveu uma crítica às comunicações e ao sistema capitalista baseada no fato de que essa massa proletarizada não está nas fábricas, mas é composta por desempregados e que, muitas vezes, se encontram em condições de miséria. Isso faz com que ou aceitem sua própria condição e continuem vivendo miseravelmente, ou se rearticulem em movimentos sociais. “Os movimentos sociais são ricos porque oferecem novas perspectivas de democracia”, afirmou. Segundo o professor, vivemos em uma democracia burguesa baseada na mercantilização das relações e isso se reflete também na mídia.

Partindo para o âmbito das comunicações, a título de exemplo, Lúcio Flávio se utilizou do mais representativo veículo da grande mídia que temos hoje no Brasil: a revista Veja. A cada página folheada mostrada aos presentes, o professor foi desenvolvendo seu argumento de que a comunicação se detém estritamente no processo de consumo, ignorando o processo de produção. De folha em folha, um mundo bonito e limpo é apresentado, seja nas matérias ou seja no excesso de propaganda de beleza e carros. E quando os movimentos sociais conquistam o mínimo de espaço nesse tipo de mídia, ele é mostrado como sujo, “como um movimento de ratos”. Segundo Lúcio, o leitor é interpelado como consumidor e a mídia dominante, além de não informar, não possui nenhum projeto para o país, diferentemente do que acontece com muitas publicações alternativas de movimentos sociais. Finalizando a mesa do dia, o professor retomou a questão do uso das palavras “invasão” e “ocupação” antes discutida por João Batista: expôs que não se trata somente de uma luta semântica, mas político-ideológica, entre aquele que crê em um mundo melhor e o que crê no capital.

Não fosse o tempo restrito que havia para a atividade e o cansaço já aparente dos presentes, que estavam por lá há quase três horas, as palestras poderiam durar o dia inteiro, gerando as mais acaloradas discussões e propostas para o futuro da imprensa no Brasil e no mundo. Porém, a mesa teve seu fim, mas deixou uma semente de indignação naqueles que pretendem mudar o mundo - sem que seja preciso tomar o poder.